02/06/2017
A IDENTIFICAÇÃO COMPULSÓRIA PELO PERFIL GENÉTICO E A HIPÉRBOLE DO DIREITO AO SILÊNCIO
CLEBER MASSON
VINÍCIUS MARÇAL
As intervenções corporais são definidas por NICOLAS GONZALEZ-CUELLAR SERRANO como as medidas de investigação que se realizam sobre o corpo das pessoas, sem necessidade de obter seu consentimento e, se necessário, por meio da coação direta, com o fim de descobrir circunstâncias fáticas que sejam de interesse para o processo, em relação com as condições ou o estado físico ou psíquico do sujeito, ou com o fim de encontrar objetos escondidos nele.
Trata-se, pois, de situações nas quais o indivíduo, sem perder a condição de sujeito de direitos, deve se submeter a (ou suportar) determinadas ingerências corporais, com finalidades probatórias.
Poucas são as intervenções corporais previstas em nossa legislação, não havendo entre nós uma regulamentação sistemática do assunto. Nada obstante, o ordenamento jurídico brasileiro contempla algumas espécies do gênero intervenção corporal, sendo corriqueiramente lembradas, no ponto, a identificação criminal (datiloscópica, fotográfica e por coleta de material biológico para a obtenção do perfil), o exame grafotécnico (art. 174, CPP), os testes de alcoolemia e o exame do bafômetro/etilômetro (arts. 277 c.c 306, § 1º, I, CTB) etc.
As intervenções corporais, contudo, como bem observa EUGÊNIO PACELLI, nem sempre vêm sendo admitidas pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, geralmente sob a equivocada fundamentação de desrespeito a um suposto princípio constitucional da não autoincriminação.
Há, em verdade, um inegávelsuperdimensionamento do alcance do princípio constitucional que consagra o direito ao silêncio. Da cláusula consoante a qual o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado (art. 5º, inc. LXIII, CR/88), não se pode extrair a existência dos equivocadamente proclamados direitos (tupiniquins) à mentira; à fuga; à apresentação de documentação falsa para eximir-se do processo; àomissão de socorro; à imunidade contra a revista de bagagens em aeroportos; etc.
Em virtude dessa noção amplíssima do direito ao silêncio, que vez ou outra encontra eco nos tribunais, está-se criando no Brasil e somente aqui , anota PACELLI, um conceito absolutamente novo da não autoincriminação, ausente nos demais povos civilizados. E, com a ironia que lhe é peculiar, dispara o autor: esperamos que, no futuro, não se vá reconhecer eventual direito subjetivo ao homicídio, para fins de evitação da prisão pela prática de outro crime qualquer...
Encampamos amplamente a crítica feita à demasiada extensão que se tem dado em nosso país ao direito ao silêncio, que, em verdade, deve ficar restrito aos lindesdo direito de não ser obrigado a se autodeclarar culpado (não depor contra si) e servir como uma garantia individual de proteção contra intervenções corporais ilegítimas, o que não é o caso, particularmente, das modalidades de identificação criminal. Por essa razão, rechaçamos a pecha de que a identificação criminal em qualquer de suas modalidades (fotográfica, datiloscópica e pelo perfil genético) confronta com o brocardo nemotenetur se detegere.
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