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Artigo: PEC 37, fizemos por não merecê-la

15/04/2013

Jornal O Popular de sábado (13/4) trouxe artigo do promotor e ex-procurador-geral de Justiça, Eduardo Abdon Moura, sobre a PEC 37. Leia abaixo o artigo na íntegra.
 
PEC 37, fizemos por não merecê-la
 
O Sistema de Justiça tem uma tarefa árdua no Brasil, um país em que os serviços públicos historicamente não funcionam e onde parte dessa conta de atraso civilizatório é cobrada por meio dele, fenômeno este que vem se intensificando em decorrência de uma cidadania que desabrocha e se torna cada vez mais questionadora e exigente.
 
Nesse contexto, o Ministério Público de Goiás se fez agente político pela força de seu trabalho. Basta lembrar alguns exemplos recentes: o rio que estava morrendo pela ação de garimpeiros (cidade de Goiás, 1987); a tortura e a morte de um carroceiro, que levou a um grupo de extermínio e a 66 corpos (Bertinho, 1998); a instalação de Conselhos Tutelares em todos os municípios goianos (1996-2010); o reconhecimento de mais de 800 novas vítimas do césio 137, com direitos estendidos aos descendentes de segunda geração, quase todos servidores públicos, em face do reconhecimento do período de 15 anos de latência para o aparecimento de efeitos nocivos (2000-2002); a condenação de mais de uma dezena de prefeitos por improbidade administrativa (ao pagamento de multa, suspensão de direitos políticos e proibição de contratar com o poder público), por terem deixado "restos a pagar" (2004-2006); o lixão que virou parque (Vianópolis, 2001); o reconhecimento de 350 paternidades no projeto Meu Pai é Meu Direito (Bom Jesus, 2003); a identificação, na Região Sudoeste do Estado, de áreas a serem preservadas de qualquer empreendimento hidrelétrico, bem como a exigência de readequação de projetos com redução da cota de inundação e dos reservatórios, tudo a partir da inovadora exigência de um Estudo Integrado de Bacia Hidrográfica (EIBH), que provocou mudanças na própria Aneel e resultou na criação da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), em 2004; a exoneração de 1.508 parentes nas prefeituras e Câmaras Municipais por nepotismo (2005); a realização de inúmeros concursos públicos para procurador jurídico de prefeituras e câmaras municipais (2007-2010); o ajuizamento de milhares de ações em busca de medicamentos (1999-2013).
 
Essa luta pelo bem comum é, porém, bem mais antiga. Desde Roberto Lira nos anos 40, passando pela atuação desbravadora de promotores paulistas nas décadas de 50/60, ampliação de atribuições com o Código de Processo Civil de 1973, estruturação institucional com a Lei Complementar Federal nº 40/1981 e consolidação dos poderes investigativos com a promulgação da Lei da Ação Civil Pública (1985), que o Ministério Público brasileiro vem, por força de sua vontade e de suas ações, se apresentando e sendo reconhecido pela sociedade como agente político de transformação.
 
Daí porque o Poder Constituinte de 1987/1988 lhe entregou, não por acaso como alguns defendem, mas conscientemente e em reconhecimento à legitimidade que vinha desse seu trabalho, os poderes, prerrogativas e deveres de defender a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis, agindo na condição de instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado.
 
E o interessante é que, em todos os exemplos citados acima, acrescentando-se à lista o do mensalão, por sua atualidade e reconhecimento nacional, o Ministério Público nunca atuou sozinho, mas sempre em parceria com as outras instituições de Estado (sistema de justiça). Afinal, qualquer inspetor, auditor, fiscal, delegado, agente, controlador, conselheiro, promotor ou magistrado sabe que, na prática, só mediante a atuação integrada das instituições é possível alcançar resultados de impacto social nas causas que envolvam o confronto com a omissão ou o abuso dos que detêm poder econômico, político, estatal ou social. São como engrenagens de um relógio, se uma para as outras travam e toda a máquina paralisa ou trabalha em ritmo mais lento.
 
Há muito por se fazer. Não há espaço para corporativismos desagregadores, assim como também não se pode deixar que forças retrógadas, representativas de um Brasil profundo e arcaico, que teima em não ceder espaço a uma nova nação, republicana e democrática, consigam aprovar uma PEC 37 contra o MP, atingindo-o em sua essência (poder de investigar) e com isso manietando uma das instituições com maior histórico de lutas pelas causas coletivas.
 
Por fim, para aqueles que tentam justificar medida tão insensata apontando açodamento ou excessos de alguns poucos membros do MP, lembro as palavras do prof. Fabio Konder Comparato, ditas há quase 20 anos num evento ocorrido nesta capital: "Só erra quem não age e o pecado do Ministério Público é não agir".
 
Eduardo Abdon Moura é promotor e ex-procurador-geral de Justiça

Fonte: Jornal O Popular

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