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Artigo: Trabalho escravo no Brasil, 125 anos depois

14/05/2013

Confira o artigo do procurador-geral do Trabalho, Luís Camargo, publicado no Correio Braziliense desta terça-feira, 14 de maio.

 

*LUÍS CAMARGO

A Lei Áurea aboliu a escravatura no Brasil em 1888. No entanto, 125 anos depois, estamos às voltas com denúncias, investigações, comprovações e condenações de empresas que submetem seus trabalhadores à condição análoga à de escravo. Seja no campo, seja na cidade, o trabalho escravo contemporâneo, infelizmente, é triste realidade no país. Números do Ministério do Trabalho e Emprego registram que, de 1995 a 2012, 44 mil trabalhadores foram resgatados em 3,4 mil estabelecimentos inspecionados.

A exploração desmedida do ser humano por seu semelhante, motivada pela ganância e o lucro a qualquer preço, não só é moralmente vergonhosa como legalmente punível. Os marcos legais da conceituação de trabalho escravo contemporâneo estão nas esferas constitucional, criminal e trabalhista do direito pátrio. Da mesma forma, princípios e normas internacionais, como a Convenção 29 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), tratam do tema.

Aliás, o fato de o Brasil ter reconhecido a existência de trabalho escravo em seu território na década de 1990 e iniciado o efetivo combate à prática por meio dos grupos móveis, formados por auditores fiscais do trabalho, procuradores do trabalho e policiais federais, tornou o país referência mundial de enfrentamento. Porém, apesar de estarmos no caminho correto, ainda há muito por fazer.

A coisificação do trabalhador, que retira sua dignidade e o torna mera ferramenta da cobiça desmedida, está em todos os lugares e nos mais diversos segmentos econômicos. No Pará, Mato Grosso, Bahia, Maranhão e Tocantins está a maior quantidade de denúncias na zona rural. Trabalhadores isolados, dormindo praticamente ao relento, sem água potável nem comida decente. Aliciados e retirados da terra natal, não sabem onde estão, já chegam devendo o transporte e não têm como voltar para casa.

Na região mais rica do país, são inacreditavelmente frequentes os casos de trabalho escravo na zona urbana. Em São Paulo, a indústria têxtil explora principalmente imigrantes ilegais, mantendo-os em alojamentos precários, com longas e extenuantes jornadas de trabalho. Os empresários aproveitam-se do medo dos imigrantes de serem denunciados à polícia e deportados. Ainda na Região Sudeste, casos envolvendo a construção civil se multiplicam. As mesmas condições subumanas em canteiros de obras, nos alojamentos sem a mínima higiene, a falta de pagamento e o aliciamento de trabalhadores sob falsas promessas.

Por oportuno, registre-se que o tráfico de pessoas está diretamente relacionado ao trabalho escravo contemporâneo, mesmo porque aumenta o número de trabalhadores traficados para a exploração no trabalho. A boa notícia são os resultados positivos provenientes da Justiça do Trabalho no combate a essa triste realidade. São muitas as condenações por danos morais coletivos e individuais, estabelecendo penas financeiras às empresas que mantêm trabalhadores em condições análogas à de escravo.

Grande empecilho para o país avançar ainda mais para erradicar essa chaga é a penalização na esfera criminal. A despeito da tipificação do crime de redução à condição análoga à de escravo no artigo 149 do Código Penal ser clara quanto a jornada exaustiva, trabalho forçado, condição degradante e servidão por dívida, processos se arrastam e há apenas uma condenação criminal transitada em julgado - pela qual o condenado cumpriu pena alternativa de doação de cestas básicas.

Somam-se a essa sensação de impunidade a falta de estrutura dos órgãos de fiscalização e ameaças preocupantes vindas do Congresso Nacional. Parlamentares comprometidos com interesses outros que não o direito ao trabalho decente e à dignidade da pessoa humana propõem projetos de lei que visam a diminuir ainda mais as chances de condenações criminais de empresários inescrupulosos ou propalam suspeitas indevidas sobre a atuação da fiscalização, além de inverdades sobre as consequências legais das autuações por trabalho escravo contemporâneo. Assim, enquanto não conseguirmos superar esses obstáculos, continuaremos a falar de trabalho escravo não como uma vergonha histórica, mas como uma atualidade trágica no Brasil do século 21.

Procurador-geral do Trabalho. Membro do Ministério Público do Trabalho desde 1989. Professor de direito do trabalho no Centro Universitário Instituto de Educação Superior de Brasília (Iesb). Especialista em Trabalho Escravo Contemporâneo

 

Fonte: Correio Braziliense

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