Brasília, 16/12/2020 - A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) e a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) manifestam irresignação com a votação, em regime de urgência, na Câmara dos Deputados, do Projeto de Lei 5.284/2020, de alteração do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil. As propostas em discussão, se aprovadas, implicarão em efetiva blindagem de crimes cometidos por advogados, conferindo carta branca para a prática de lavagem de dinheiro, algo jamais visto no Brasil ou no exterior.
Justamente no momento em que regras de conformidade deveriam ser exigidas pelos órgãos de controle aos escritórios de advocacia, diante de acusações de atos criminosos gravíssimos praticados por parte de alguns desses profissionais, como participação em organizações criminosas para o tráfico de drogas, corrupção e lavagem de dinheiro, a Câmara dos Deputados aprovou a tramitação em regime de urgência do Projeto de Lei, suprimindo etapas indispensáveis ao debate parlamentar, com a indispensável participação de todos os atores da persecução penal.
As inovações pretendidas violam diversos preceitos constitucionais, tais como a isonomia, a segurança pública, a informação, a livre iniciativa, o dever de reparação dos danos e a reserva de jurisdição. Alguns exemplos de inconstitucionalidade são encontrados na conversão das autoridades públicas em guardiães dos advogados e no impedimento de publicidade de investigações, ações e condenações dos advogados (art. 6º, p. Único) e na exigência de provas periciadas e validadas pelo Poder Judiciário (conceito indeterminado) para autorizar medidas cautelares de busca e apreensão em escritório de advocacia, que legal e jurisprudencialmente, na mais alta Corte do país, é fundamentada em indícios da prática do crime e da localização de prova, produto, objeto ou instrumento do crime (artigo 7º, §§ 6º e 6º-A).
Outro exemplo de violação dos preceitos constitucionais está no cerceamento da atividade do advogado cujo cliente, no exercício da garantia da ampla defesa, opte por colaborar com as investigações para obter os benefícios legais correspondentes, se da colaboração puder resultar em investigações ou ações contra outro advogado, além de criar uma impossibilidade, já que a colaboração premiada é meio de obtenção de provas, de modo que a prévia existência de prova periciada e validada pelo Poder Judiciário (conceito indeterminado) torna incabível, por desnecessária, a concessão do benefício premial (art. 7º, § 6º-B), inviabilizando a apuração de crimes de venda de sentenças, como investigado na operação Faroeste, que prendeu magistrados baianos.
A reserva de jurisdição também será gravemente violada com a transferência do Poder Judiciário à OAB do poder de decidir se um contrato de prestação de serviços de advocacia foi efetivamente executado ou apenas simulado, para disfarçar o pagamento de propina ou lavar dinheiro (art. 7º, §§14 e 15), como investigado na operação Esquema S, e do poder de julgar os dissídios entre o advogado e o escritório de advocacia que o contratou para prestar serviços (arts, 15, § 11, 54, inc. XIX e XX, 58, inc. XVII e XVIII).
Há, ainda, diversos outros dispositivos violadores da Constituição da República, como a ampliação da capacidade postulatória dos advogados para além do Poder Judiciário, impedindo que profissionais não inscritos nos quadros da OAB possam livremente exercer a atividade de consultoria administrativa, como contadores, consultores e administradores (art. 2º, §2º) e a criação de um direito a honorários sobre o produto do crime praticado por seu cliente, assegurando ao advogado o recebimento de 20% do valor bloqueado, em prejuízo da vítima e do erário (art. 24-A), além de legitimar a informalidade pela “consultoria ou assessoria verbal”, num verdadeiro convite à lavagem dos recursos oriundos da prática criminosa que seriam declarados como honorários sem qualquer exigência de comprovação (art. 5º, § 4º), como investigado na operação Calicute.
A criação de uma casta de privilegiados e blindados para a prática de crimes não encontra amparo na Constituição da República e nas leis de nosso país ou estrangeiras, assim como nos tratados internacionais. O advogado é indispensável à democracia e à Justiça. Este papel, no entanto, não pode se constituir em salvo conduto para o cometimento de atos ilícitos, nem significar tratamento diferenciado quando se trata de ato criminoso.
Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR)
Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP)